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Suíça reforça diretrizes sobre suicídio assistido e causa preocupação no exterior

David Goodall (centro) era um cientista australiano que veio à Suíça para morrer por suicídio assistido. Ele havia escolhido terminar sua vida por causa de sua idade avançada, mas não estava sofrendo de uma doença incurável. Tais casos podem não ser mais permitidos no futuro. © Keystone / Georgios Kefalas

A Associação Médica Suíça emitiu uma nova diretriz que pode dificultar o acesso ao suicídio assistido. A decisão está causando insatisfação entre as pessoas que vivem no exterior e desejam terminar suas vidas legalmente na Suíça.

Este conteúdo foi publicado em 30. julho 2022

“Você soube?” Em maio, Alex Pandolfo recebeu um e-mail inesperado de um conhecido. A mensagem vinha acompanhada por uma newsletter intitulada “Notícias perturbadoras da Suíça”. O remetente era a Exit International, uma organização de assistência ao suicídio sediada na Austrália. O texto afirmava que havia sido emitida uma nova diretriz na Suíça, segundo a qual eram necessárias agora duas entrevistas médicas antes da realização de um suicídio assistido – com pelo menos duas semanas de intervalo entre cada uma.

Pandolfo tem 68 anos de idade e vive no Reino Unido. Em 2015, ele foi diagnosticado com uma forma precoce do mal de Alzheimer. Pouco tempo depois, ele recebeu o “ok” por parte da Lifecircle, uma organização de assistência ao suicídio com sede na Basileia. Ele planeja ir à Suíça para morrer, quando “for a hora certa”.

Alex Pandolfo. Alex Pandolfo

Normalmente, ele só precisaria ficar na Suíça por alguns dias para terminar sua vida. Mas, desde que a regulamentação mudou, os custos aumentaram e a estadia na Confederação deve ser maior. “Isso pode desencorajar as pessoas que não têm dinheiro suficiente”, lamenta Pandolfo.

Sem suicídio assistido para pessoas saudáveis

Como se chegou a essa decisão? No mês de maio, a Associação Médica Suíça (FMH) aprovou a revisão das diretrizesLink externo médico-éticas “Fim de vida e morte”, da Academia Suíça de Ciências Médicas (ASSM). Elas agora serão incorporadas ao código de ética da associação profissional de médicos suíços. As principais regras são as seguintes:

  • A fim de apurar a situação, o médico deve, salvo exceções justificadas, ter pelo menos duas entrevistas aprofundadas com o paciente, com pelo menos duas semanas de intervalo entre elas.
  • Os sintomas da doença e/ou as limitações funcionais do paciente devem ser graves, o que deve ser respaldado por um diagnóstico e prognóstico apropriados.
  • De acordo com as presentes diretrizes, o suicídio assistido em pessoas saudáveis não é eticamente justificável.
  • Antes, durante e após o suicídio assistido, as necessidades dos familiares, da equipe de assistência interprofissional e daqueles ao redor devem ser levadas em consideração; o apoio necessário deve ser fornecido e documentado.
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As diretrizes da ASSM não são legalmente vinculativas. A adoção das diretrizes pela FMH e sua incorporação ao código de ética, contudo, abrem a possibilidade de sancionar as infrações. A FMH é a organização coordenadora das sociedades médicas suíças, que representam os interesses dos médicos do país; mais de 90% dos médicos que exercem a profissão na Suíça são membros da FMH e devem respeitar o seu código de ética.

“Não são mais rígidas, mas mais precisas”

A ASSM, uma instituição privada de fomento à pesquisa, já havia publicado novas diretrizes médico-éticas sobre a “gestão do fim da vida e da morte” em 2018. Essas diretrizes descrevem o que os médicos devem considerar em casos de suicídio assistido. A versão de 2018, no entanto, foi rejeitada pela FMH porque as regras eram muito “vagas”. A nova versão revisada “não é mais rígida, mas mais precisa”, explica Valérie Clerc, secretária-geral da ASSM.

As organizações suíças de assistência ao suicídio, por sua vez, rejeitam categoricamente a nova regulamentação. Erika Preisig, médica e presidente da Lifecircle, está particularmente preocupada com a “regra das duas semanas”, que ela considera dura demais para as pessoas vindas do exterior.

A Lifecircle decidiu que, dentro da medida do possível, a primeira entrevista poderá ser realizada online. “Mas a maior parte dos nossos pacientes são idosos”, pondera Preisig. “Muitos não sabem como organizar uma reunião online ou não têm um smartphone.” Nesses casos, essas pessoas precisam viajar para a Suíça. Para aqueles com deficiências físicas, o custo dos cuidados para uma estadia de mais de duas semanas seria particularmente caro.

A diretriz prevê exceções, mas “não por causa da duração da estadia na Suíça”, explica Clerc, secretária-geral da ASSM, à swissinfo.ch. As exceções seriam feitas, por exemplo, “quando a pessoa está muito próxima do fim de sua vida ou quando, devido a circunstâncias concretas – em particular grande sofrimento causado por sintomas difíceis de controlar –, não parece razoável esperar mais antes de prestar assistência ao suicídio”.

Há muito tempo, alguns grupos vêm criticando o fato de a Suíça ter se tornado um destino de “turismo de morte”, uma vez que também permite que estrangeiros morram no país. A regra das duas semanas poderia reduzir o número de tais “turistas”. Era essa a intenção? A ASSM se limita a observar que as diretrizes não fazem distinção entre as pessoas que vivem na Suíça e as que vêm do exterior.

“Endeusar os médicos”

O problema não é apenas o custo da viagem. Para a japonesa Aina, que sofre de uma doença neurológica rara e que também havia recebido o “ok” para o suicídio assistido, outra condição é igualmente preocupante: aquela que diz que “a gravidade da doença deve ser comprovada por um diagnóstico e prognóstico adequados”.

Na Suíça, as pessoas que desejam cometer suicídio assistido também devem apresentar, além de seu dossiê médico, uma carta. Nessa carta, elas devem explicar com suas próprias palavras a gravidade de seu sofrimento e as razões pelas quais desejam morrer.

Aina tem 30 anos de idade e vive no Japão. Por causa de sua doença, ela não pode ficar em pé ou caminhar. Ela é completamente dependente de sua mãe no cotidiano. Mas, diferentemente de um câncer terminal, ela não morrerá imediatamente.

“Se os médicos podem decidir, a seu próprio critério, que minha doença não é suficiente para que eu morra, o que será da minha vontade? Ninguém é melhor do que eu para medir a intensidade do meu sofrimento ou quando eu gostaria de morrer por causa dele. Essas organizações de médicos suíços querem transformar médicos em deuses?”

A organização de assistência ao suicídio Dignitas defende uma perspectiva semelhante. Em sua newsletterLink externo, a organização afirma que “a nova diretriz relega o ponto de vista pessoal do paciente ao segundo plano, como justificativa para um médico respaldar o pedido de suicídio assistido, e privilegia uma classificação médica e diagnóstica do sofrimento”. Como resultado, “os relatórios médicos para um pedido de suicídio assistido e os relatórios e documentos internos que um médico suíço deve escrever precisam ser ainda mais detalhados do que antes”.

A Exit, a maior organização suíça de assistência ao suicídio, também disse à swissinfo.ch que “a diretriz ignora que fatores psicossociais também podem contribuir para um desejo compreensível de morrer”.

Para as organizações de assistência ao suicídio, a proibição do suicídio assistido para pessoas saudáveis “ignora as decisões do Tribunal Federal e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que garantem ao indivíduo liberdade de decidir quando e como deseja terminar sua vida”.

Procedimentos pouco claros

As organizações de assistência ao suicídio também criticam a “opacidade do procedimento” da ASSM e da FMH. Muriel Düby, porta-voz da Exit, disse à swissinfo.ch que o corpo médico suíço, assim como as associações de pacientes e organizações de assistência ao suicídio, não teve a oportunidade de opinar novamente sobre a revisão. “O texto foi classificado como secreto mesmo após ter sido aprovado pelos órgãos superiores da ASSM”, disse ela.

Em meados de junho, a Exit, que oferece assistência aos suíços que vivem tanto na Suíça como no exterior, decidiu numa reunião de comitê manter seu procedimento atual.

Erika Preisig e outros representantes de organizações de assistência ao suicídio temem que, no futuro, mais médicos fiquem relutantes em colaborar em suicídios assistidos.

Quanto a Alex Pandolfo, ele conta que teria cometido suicídio há alguns anos, por medo do futuro, se não tivesse recebido o “ok”. “O suicídio assistido melhorou efetivamente minha qualidade de vida, porque sei que posso terminá-la se eu quiser.” Em última instância, ele afirma, o suicídio assistido previne os suicídios. Ele está convencido de que “a Suíça está cometendo um erro”.

Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)


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