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"Um mundo sem drogas, você acredita?"

A Tailândia e a Birmânia se abrem a uma perspectiva centrada na saúde quanto ao consumo de drogas. É uma evolução notável em uma região conhecida por sua política implacável nessa matéria. É a constatação da suíça Ruth Dreifuss, presidente da Comissão Global em Matéria de Drogas (Global Commission on Drug Policy), de volta de uma visita ao Sudeste Asiático.

Este conteúdo foi publicado em 28. abril 2017 - 15:45
Ruth Dreifuss em seu escritório da Comissão Global de Política em Matéria de Drogas. em Genebra. Frédéric Burnand

Desde o ano passado, Ruth Dreiffus preside a Comissão Global de Política em Matéria de Droga, um grupo de personalidadesLink externo que a

antiga presidente da Suíça contribuiu a criar em 2011Link externo. Isso partindo da constatação que a “guerra à droga” lançada pelo presidente norte-americano Richard Nixon em 1971 é um fracasso completo, com um tráfico de entorpecentes cada vez mais importante e consumidores mais numerosos 

As cinco prioridades da comissão

- Dar prioridade à saúde pública e à segurança.

- Garantir acesso aos medicamentos de duplo uso como a morfina. Por serem parcialmente ilícitos, esses medicamentos são inacessíveis para ampla maioria da população que deve, portanto, sofrer de maneira totalmente inútil.

- Terminar com a criminalização e à detenção de usuários de drogas.  

- Concentrar a repressão ao tráfico de drogas e ao crime organizado.

 - Regulamentar os mercados da droga e dar o controle aos Estados, como para o tabaco, as bebidas alcoólicas e os medicamentos.

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Desde então, as coisas começam a evoluir no mundo, como testemunha a visita que acaba de fazer Ruth DreifussLink externo à Tailândia e ao Myanmar (Birmânia).

swissinfo.ch: Até que ponto a Tailândia e o Myanmar estão dispostos a reformar suas leis?

Ruth Dreifuss: Nesses dois países confrontados a uma epidemia de aids e de hepatite C entre as pessoas que injetam droga e as pessoas próximas, existe a vontade de desenvolver uma política de saúde pública. As medidas de prevenção de riscos consistem a colocar à disposição material de injeção esterilizado e abrir lugares de encontro de consumidores onde diversos serviços de integração são propostos.

Tratamentos com metadona começam a existir para os toxicodependentes severos e. sobretudo, esses dois países pensam em renunciar a tratamentos coercitivos visando a abstinência, tratamento cuja eficácia e o caráter degradante é reconhecido.

Também há uma clara tomada de consciência de que o catálogo de punições é exagerado. A pena de morte, mesmo se não se fala em aboli-la, não é mais praticada nos dois países. Eles pretendem reduzir a lista de crimes previstos para essa sentença. Existe ainda a consciência de que as prisões superlotadas são uma escola do crime. Portanto, o nível de penas será revisto nos dos países.

Para isso, eles fazem amplas consultas e campanhas de informação à população, que não compreende essa reviravolta após 50 anos de discurso de proibição e de desrespeito aos consumidores de drogas.

Conteúdo externo

Lembremos que a Tailândia travou entre 2001 e 2006 uma “guerra às drogas”, similar à que ocorre atualmente nas Filipinas. A polícia tailandesa provocou a morte de vários milhares de pessoas através de execuções extrajudiciais. As autoridades do país tiveram de constatar que essa repressão não permitiu reduzir o tráfico e o consumo de drogas, mas o contrário.

swissinfo.ch: Os outros países da Ásia poderiam seguir o exemplo?

R.D.: A grande questão é de saber se podemos imaginar uma sociedade sem drogas. Na Suíça, esse objetivo ainda está inscrito na lei sobre os entorpecentes. Esse também é o objetivo da AseanLink externo, que quer se tornar uma zona libre de qualquer droga. Mas ainda dá para acreditar?  

É claro que os países que visitei, mesmo se os discursos ainda são meio hesitantes, compreenderam que uma sociedade sem drogas é uma ilusão. A humanidade sempre foi atraída por substâncias psicoativas. Com que direito punir pessoas que consomem substâncias que modificam o humor, suavizam suas dores, transformam a percepção e sua consciência do mundo? Alguns foram integrados no plano cultural, como o álcool, o tabaco, o chocolate, o café e os medicamentos, produtos que também são psicoativos.

Por que querer, pela violência do Estado, perseguir a ilusão de uma humanidade que eliminaria totalmente tais substâncias? Por que integrar algumas regulamentando a produção e o acesso e proibir outras?

As Convenções internacionais que regulamentam a questão das drogas ilícitas dão aos países a possibilidade de encontrar soluções adaptadas aos seus problemas, de renunciar a punir os consumidores e de desenvolver medidas de saúde pública, inclusive as que permitem reduzir os riscos que correm todos que recorrem ao mercado negro para o fornecimento de substâncias proibidas.

Em contrapartida, essas convenções não autorizam os Estados que as ratificaram a controlar a produção e os mercados de drogas, como o fazem para sustâncias psicoativas lícitas.

swissinfo.ch: As mudanças de rumo na Tailândia e na Birmânia são sintomáticas de uma evolução mais ampla?

R.D.: Essa evolução é geral. Mesmo nos países extremamente repressivos como a China e o Irã desenvolveram tratamentos de substituição e de prevenção de riscos para as pessoas dependentes.

Mas temos também regressões, como nas Filipinas. Certos países resistem em suas posições de proibição como o Japão e a Rússia. Moscou continua a praticar uma rigorosa política de proibição, com consequências dramáticas para a população russa. É o único país onde a incidência de aids continua a aumentar. Nas prisões em particular e fora há uma ampla difusão de uma tuberculose resistente aos antibióticos. Com a política de repressão, há clandestinidade extremamente perigosa.

Dito isto, a grande maioria dos países busca novas viasLink externo.

swissinfo.ch: Durante muito tempo a Suíça foi pioneira. Continua sendo?

R.D.: A Suíça de fato inovou quando estava confrontada à epidemia de AIDS e a multiplicação de overdoses. Depois, ela se dissolveu na massa. A Suíça desenvolveu uma política de saúde pública que provou sua eficácia. Deveria desenvolver mais essas medidas, para torna-las acessíveis a todos os que precisam. Deveria também integrar nessa política as drogas sintéticas que consistem em novos perigos e sobretudo requerem novas respostas.

Mas a Suíça se atrasou em matéria de regulação dos mercados da droga e na despenalização. Transformar o delito de consumo em uma simples contravenção é apenas uma meia-medida.

É preciso lembrar que no mundo inteiro as políticas de repressão são sempre arbitrárias e que elas visam na realidade sobretudo os pobres, os bairros desassistidos, as minorias, inclusive na Suíça. Ora, se a aplicação de uma lei é arbitrária, é preciso mudar a lei.

Mas a Suíça se concentrou tanto na saúde pública e na proporcionalidade das penas que a questão quase desapareceu da atualidade. A pressão política para mudanças mais radicais praticamente desapareceu. Até porque várias iniciativas populares que iam nessa direção foram rejeitadas em votação. Isso não incita os partidos a remeter a questão sobre a mesa.

No entanto, existe um vivo interesse, inclusive em amplas camadas da população, de que a maconha deveria ter uma regulação da produção e do mercado e que interdição não é eficaz nem útil.

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