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Essas pessoas ficaram de fora

Klaus Petrus

A pandemia causada pelo novo coronavírus atinge comércio, escolas, indústria e as populações. E como ficam os grupos à margem da sociedade? O vírus é até mais perigoso para os marginalizados.

Este conteúdo foi publicado em 13. junho 2020 - 12:30
Klaus Peters (imagens e texto) , Ester Unterfinger (edição)

São supostamente 400 desabrigados só na cidade de Berna. Não existe uma contagem para todo o país. Pessoas sem teto, dependentes de drogas, prostitutas e outros marginalizados: todas vítimas menos do Covid-19, como dizem alguns, do que das medidas impostas pelo governo. Para eles o confinamento é uma palavra desconhecida, pois não têm nem casa para viver.

C., 46, dois filhos, desempregada, sem-teto.

"Vivi minha vida. Estive lá em cima e depois embaixo. As drogas, o álcool e a prostituição consomem você. Mas eu ainda estou viva. Acredito firmemente em mim mesmo e que há um significado mais profundo nisso tudo. E que no final, talvez tenha de aceitar a minha realidade". Klaus Petrus

L., 35, um filho, desempregado, sem-teto.

"Ganho 25 francos por dia em esmolas. Por vezes pessoas me trazem comida, me dão uma lata de cerveja ou charutos. Há momentos em que espero por um milagre, pelo menos um pequeno. Mas no dia seguinte não acontece nada. Hoje à noite vou dormir lá fora. Aonde? Ainda não sei". Klaus Petrus

P., 49, três filhos, prostituta.

"Costumava ter cinco ou seis clientes por noite. Agora talvez sejam dois. Não é à toa: os preços são tão baixos. Conheço garotas que fazem isso por 30 francos, tudo incluído. Isso é ruim. Felizmente tenho clientes regulares. Eles virão agora também, mesmo com o coronavírus." Klaus Petrus

N., 36, desempregada, sem-teto.

"Eu não conheci amor, carinho ou ternura. Meus pais eram viciados. Eles tinham outros problemas e nunca tiveram tempo para mim. Quando tinha 14 anos experimentei pela primeiras vez as drogas. Mas comecei a tomá-las mais tarde, quando tinha uma vinte e poucos anos. Claro que é especialmente difícil como uma mulher. Você sempre tem de ter cuidado. Nunca me prostituiria. Não é apenas uma questão de higiene e saúde, mas também de dignidade. Prefiro mendigar na rua, onde as pessoas são mais amigáveis. Agora, por causa do coronavírus ficou mais difícil. As pessoas ficam em casa. E eu estou sem dinheiro. Alguns dias atrás tive de dar o meu cachorro, o que me deixou muito triste. Mas o pior é aguentar essa vida na rua. Na verdade estou confiante: tenho apenas uns trinta anos, ou seja, ainda tenho uma vida pela frente, não é verdade?" Klaus Petrus

D., 34, desempregado, sem-teto.

"Sim, me ajoelho diante das pessoas para implorar por dinheiro. Sei que é um gesto grosseiro, mas para mim não. Não forço ninguém. Não faço mal a ninguém. Não sou criminoso. Eu só imploro por dinheiro, é tudo. Nos bons dias ganho entre 100 e 120 francos. Com a pandemia isso baixou para 40". Klaus Petrus

L., 53, um filho, desempregado, sem-teto.

"Antes tinha muitos planos. Eu dizia a mim mesmo o que iria fazer quando curasse a dependência. Eu tentava me convencer disso. Hoje sou mais realista. Estou velho, sou dependente de drogas, desempregado, durmo na rua, ou seja, a minha vida acabou. Ok, talvez eu consiga um dia mudar a minha vida. Então podemos voltar a conversar." Klaus Petrus
Espaços como esse são escolhidos por T., 38 anos, dependente há vinte, para dormir. Klaus Petrus

D., 38 anos, dependente há 20 anos de drogas, desempregado, sem-teto.

"Tento pensar de forma positiva. O inverno, por exemplo, foi ameno. Imagine como teriam sido as noites frias, com chuva e talvez até neve. Mas é assim que acontece, de alguma forma. Não durmo bem na rua. Preciso de cinco francos para dormir nos albergues. Às vezes tenho o dinheiro e outras vezes não. Agora quase não há pessoas lá fora, o que torna as coisas ainda mais difíceis. Mas cada dia que passa, é um dia ganho. É assim que vejo as coisas". Klaus Petrus

T., 38, desempregado, sem-teto.

"Agora que as ruas estão vazias, podemos ser vistos em todos os lugares. E já apontam os dedos para nós: olha eles! Antes éramos praticamente invisíveis, mas ainda estamos por aqui. Como estamos passando a pandemia? Para nós é sempre o mesmo: é preciso suportar a situação." Klaus Petrus

Para cumprir o distanciamento imposto pelo governo, os abrigos em várias cidades suíças tiveram de reduzir suas capacidades. Agora um quarto de quatro camas é ocupado por apenas uma pessoa. Os quartos de seis camas abrigam duas. Muitos desabrigados acabam não encontrando uma cama para dormir, o que para essas instituições é uma situação insustentável. A ajuda vem de diferentes lados. Em várias cidades, por exemplo, fundações e grupos cristãos alugam quartos de hotel, disponibilizam containers e convertem prédios para que mais camas possam ser disponibilizadas.

Grande solidariedade

A doação de alimentos também foi restrita pela Lei relacionada ao Covid-19. O projeto "Tischlein deck dich" (Mesa coberta) beneficia até 20 mil pessoas semanalmente foi interrompido temporariamente pela dificuldade de garantir o distanciamento mínimo quando os alimentos são distribuídos. Também muitos voluntários pertencem ao grupo de risco devido à idade.

Na verdade, ainda não há estatísticas ou números sobre os sem-teto na Suíça. Apenas a cidade da Basiléia tem estatísticas atualizadasLink externo sobre a questão, como confirma Esther Mühlethaler. Essa pesquisadora da Universidade de Ciências Aplicadas do Noroeste da Suíça foi responsável por um estudo realizado na cidade às margens do rio Reno. Atualmente sua equipe trabalha na primeira pesquisa quantitativa nacional, que será realizada e publicada em 2021.

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Algumas ongs tentam preencher essas lacunas. Elas disponibilizam alimentos em geladeiras públicas ou distribuindo em locais públicos. Essa ajuda simples e direta necessita apenas de apoio financeiro. No final de março, a Igreja Católica em Berna lançou uma campanha sem precedentes e disponibilizou uma ajuda emergencial de um milhão de francos suíços às instituições sociais que ajudam pobres e outras pessoas à margem da sociedade.

Alimentos, roupas e produtos de higiene são pendurados em grades para os sem-tetos poderem se abastecer. Klaus Petrus

Com a redução da ajuda, a vida das pessoas mais necessitadas na Suíça foi prejudicada. Os contatos sociais se reduziram e elas ficam isoladas entre si. Os pontos de encontro foram fechados ou tiveram o acesso reduzido. Muitos dos sem-teto pertencem aos grupos de risco, não tanto por causa da idade, mas por causa da saúde precária.

Rahel Gall Azmat, diretora da instituição de ajuda aos toxicodependentes, Contact, verificou uma redução da circulação de tóxicos durante o período do "lockdown", o que pode ser um problema para as pessoas afetadas. "Se as drogas são escassas, é mais provável que os dependentes misturem, o que pode ter consequências fatais para sua saúde e, no pior dos casos, até provocar a morte por overdose."

O fotógrafo Klaus PetrusLink externo se interessa por conflitos sociais, guerra, migração e exclusão e já realizou reportagens para jornais e revistas nacionais e internacionais da Suíça, Oriente Médio, Bálcãs e da região saariana. O cineasta Konstantin Flemig o entrevistou para o livro "Alltag in der HölleLink externo" (Cotidiano no Inferno).

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