"Muita gente vai chegar no Qatar"
Como vive um chefe de cozinha suíço no Qatar pouco antes do início da Copa? Um país criticado pelo autoritarismo e mau tratamento dado a trabalhadores migrantes. Simon Wipf conta aqui suas impressões e expectativas.
- Deutsch Schweizer in Katar: "Ein Tsunami von Menschen kommt auf uns zu" (original)
- Español Suizos del Extranjero en Qatar: "llegará un tsunami de gente"
- Français Suisse de l'étranger au Qatar: «Un tsunami de personnes va déferler»
- English Swiss chef in Qatar: ‘A tsunami of people is coming our way’
- Pусский Швейцарец в Катаре: «На нас надвигается людское цунами»
- Italiano In Qatar "sta arrivando uno tsunami di persone"
"Quando você vive aqui sabe que é preciso respeitar a cultura e a religião locais. Beijar, abraçar ou dar as mãos em público não são bem-vistos. As regras neste país são rígidas, mas costumavam ser mais rígidas ainda no passado. Porém temos bastante segurança.
O controle é forte. Câmeras de vídeo estão instaladas por todos os cantos do país. Se você fizer algo estúpido, por exemplo, cometer excesso de velocidade, será pego rapidamente. Não que isso já tenha acontecido comigo, mas ouvi falar de casos semelhantes.
Vivo em Doha, a capital do Qatar, há quatro anos. Estou longe da Suíça há mais de 19. As vezes penso em retornar. Após me formar como chefe de cozinha, caí no mundo: já trabalhei no Canadá, EUA, Malásia, Brunei, Paris, Hong Kong e até em Istambul. Seja em navios de cruzeiro ou restaurantes em aeroportos. Mais recentemente era chefe de cozinha em Dubai, em um restaurante no 68º andar de um arranha-céu.
Tive que trabalhar duro para chegar aonde estou agora. Só há poucos anos tenho sucesso na minha profissão. Durante minha carreira ao redor do mundo, sempre fui o único suíço a trabalhar na cozinha.
Aqui em Doha trabalhei no Hotel Intercontinental até alguns meses atrás. Recentemente comecei um novo trabalho como chefe em um novo hotel cinco estrelas que está prestes a abrir.
Mas, infelizmente, o hotel não estará pronto quando a Copa começar. Alguns hotéis não abrirão a tempo. Portanto, vou ajudar na cozinha de outro hotel de meu empregador durante o torneio. Com certeza serão semanas difíceis, mas estou ansioso por isso.
A Copa será um grande desafio para a gastronomia, pois requer um grande planejamento. Uma quantidade incrível de pessoas vai chegar, todas querendo comer e beber. No verão, foram feitas várias previsões para o consumo de alimentos durante o evento. Quase tudo terá que ser importado, embora já existam legumes e produtos lácteos "Made in Qatar".
Os fornecedores de refeições nas zonas de torcidas e nos estádios devem ter dezenas de milhares de refeições prontas. Em primeiro lugar a logística é um problema. Como oferecer essas enormes quantidades de alimentos? Será preciso organizar dezenas de caminhões extras. E como você chega de A à B quando muitas estradas da cidade estão fechadas?
Nosso hotel também recebeu pedidos para fazer catering, mas que foram cancelados. Agora estamos montando nossa própria área de concentração no hotel.
Além disso, há os custos de pessoal. No momento, cada hotel em Doha está procurando funcionários. Contratamos quase 40 cozinheiros adicionais, a maioria da Indonésia.
Felizmente já ocorreram alguns jogos de teste. Com isso, os organizadores foram puderam testar suas estruturas. Uma vez, a água do estádio estava esgotada. Em outra ocasião, quase morri congelado porque eles esfriaram demais os assentos climatizados. E no mesmo jogo, tive de esperar uma hora e meia até chegar o ônibus e voltar para casa.
Não posso criticar abertamente a Copa do Mundo no Qatar e às condições dos trabalhadores migrantes. Certamente há sempre coisas que não vão tão bem, mas eu mesmo não notei nada. Também não quero ter nada a ver com isso.
Eu tenho uma boa vida neste país. O sol brilha todos os dias e isso me dá energia, mesmo com o calor excessivo no verão. Eu só sinto falta da natureza e do ar fresco na Suíça. Quando vivia lá gostava de ir a floresta colher cogumelos ou correr.
Mas aqui eu posso praticar o hóquei no gelo, o meu principal hobby. Também já fiz amizade com alguns catarianos, apesar que as relações permanecem superficiais. As pessoas aqui são bastante reservadas, mas simpáticas e prestativas. Também não conheço muitos suíços em Doha. Há sempre eventos onde as pessoas se encontram, mas devido ao meu trabalho tenho pouco tempo disponível.
No entanto, irei ao estádio para assistir aos jogos da Suíça. Embora os preços sejam muito altos para vir a Doha, espero encontrar outros torcedores suíços.
Adaptação: Alexander Thoele
Trabalho forçado, exploração, mortes
O Qatar vem enfrentando fortes críticas desde foi escolhido pela FIFA para organizar a Copa do Mundo. As condições para os trabalhadores migrantes teriam melhorado, mas ainda há problemas.
Um mês antes do início da Copa do Mundo, a Anistia Internacional publicou um novo estudoLink externo no qual exige melhorias. De acordo com a ong de defesa dos direitos humanos, as queixas estão longe de serem resolvidas: leis homofóbicas, restrições à liberdade de imprensa e deficiências na legislação trabalhista.
"Milhares de trabalhadores migrantes continuam a enfrentar problemas como falta ou atraso no pagamento de salários, desrespeito à legislação trabalhista como direito de férias e horas livres e a impossibilidade de mudar de emprego.
"Os trabalhadores têm poucas formas de se defender", escreve a Anistia Internacional. Além disso, a morte de milhares de trabalhadores migrantes no Qatar continua sem solução.
Cerca de três milhões de pessoas vivem no país do Golfo Pérsico, mas apenas 15% delas são catarianos. A maioria da população é de trabalhadores migrantes. O país tem uma das mais altas taxas de estrangeiros do mundo.
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